
O universo do desenvolvimento do kernel Linux está em constante evolução, e uma das discussões mais acaloradas dos últimos tempos envolve a introdução da linguagem de programação Rust ao lado do tradicional C. Recentemente, Linus Torvalds, o criador e líder do projeto Linux, entrou no debate para esclarecer sua posição sobre a coexistência dessas duas linguagens no coração do sistema operacional de código aberto mais popular do mundo. Em uma declaração que repercutiu na comunidade de desenvolvedores, Torvalds defendeu que a introdução do Rust não significa o fim do C, mas sim uma colaboração entre as duas tecnologias para aprimorar o kernel.
A inclusão do Rust no kernel Linux começou a ganhar força em 2022, quando o suporte oficial para a linguagem foi adicionado. Desde então, a comunidade tem se dividido entre entusiastas que veem no Rust uma solução para problemas de segurança de memória — uma área em que o C tem histórico de vulnerabilidades — e tradicionalistas que preferem manter a simplicidade e o controle oferecidos pelo C, a linguagem que sustenta o kernel há mais de três décadas. Esse embate, que Torvalds já comparou a disputas históricas como “vi versus Emacs”, atingiu um novo patamar em fevereiro de 2025, quando ele respondeu diretamente às tensões no Linux Kernel Mailing List.
Torvalds foi claro: os mantenedores que trabalham com C não serão obrigados a adotar o Rust, mas também não têm o direito de bloquear sua integração em áreas que não afetam diretamente seus domínios. Em um tom enfático, ele destacou que uma recente proposta de código em Rust, rejeitada pelo mantenedor Christoph Hellwig, não alterava a camada de DMA (Direct Memory Access) do kernel, mas apenas a utilizava como um recurso independente. “Você pode evitar o Rust como mantenedor de C, mas não pode interferir nisso”, afirmou Torvalds, sinalizando que a decisão final sobre a integração cabe a ele, como líder do projeto.
Essa postura reflete um plano estratégico para o futuro do Linux: em vez de substituir o C por completo, o Rust será introduzido gradualmente, começando por novos drivers de dispositivos. A ideia é aproveitar os benefícios do Rust, como sua capacidade de prevenir erros de memória que frequentemente levam a falhas de segurança, sem desestabilizar o código existente, escrito em C ao longo de mais de 30 anos. Greg Kroah-Hartman, outro veterano do kernel, também apoia essa visão, enfatizando que a coexistência é viável e que ninguém será forçado a abandonar o C.
A resistência ao Rust, no entanto, não é pequena. Hellwig, por exemplo, comparou a manutenção de um kernel multilinguagem a “um câncer”, argumentando que adicionar uma nova linguagem aumenta a complexidade e a carga de trabalho dos mantenedores. Esse ponto de vista ecoa entre alguns desenvolvedores que temem que o Rust possa fragmentar a base de código e dificultar a colaboração. Por outro lado, defensores do Rust, como os membros do projeto Rust for Linux, destacam que a linguagem já provou seu valor em projetos como o Firefox e em sistemas críticos, trazendo uma camada extra de robustez ao Linux.
Torvalds, conhecido por seu estilo direto, reconheceu as tensões, mas também enxerga um lado positivo. “Uma das coisas boas sobre o Rust é como ele animou as discussões”, disse ele em um evento anterior, em 2024. Para ele, o debate, embora às vezes “desagradável”, demonstra o quanto a comunidade se importa com o futuro do Linux. A estratégia de longo prazo, segundo o criador, é permitir que o Rust conquiste seu espaço organicamente, enquanto o C continua sendo a espinha dorsal do kernel.
O impacto dessa decisão vai além da técnica. Empresas que dependem do Linux, como Google, Meta e Intel, já investem em Rust para seus projetos, e a adoção no kernel pode acelerar o suporte a novos dispositivos e melhorar a segurança em setores como IoT e computação em nuvem. Para desenvolvedores, a mensagem é clara: o Linux está se modernizando, mas sem abandonar suas raízes.
À medida que o kernel Linux avança para sua próxima fase, a coexistência de C e Rust promete ser um marco na história do software livre. Torvalds, com sua liderança pragmática, parece determinado a guiar essa transição de forma equilibrada, garantindo que tradição e inovação caminhem juntas.
Fontes: Ars Technica, The Register, ZDNET, Linux Kernel Mailing List